Curitiba - A decisão do Google de não permitir o impulsionamento de propaganda eleitoral nas eleições municipais deste ano vem gerando uma discussão a respeito da Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a campanha nas redes sociais. Para especialistas ouvidas pela FOLHA, há a possibilidade de candidatos burlarem a determinação da Justiça Eleitoral, já que o Google sairá da mira do TSE, e a regra poderá levar a um maior investimento nas formas tradicionais de campanha, com panfletos e corpo a corpo na ruas.

A Resolução do TSE determina que as plataformas mantenham um repositório dos anúncios para acompanhamento em tempo real do conteúdo, dos valores, dos responsáveis pelo pagamento e das características da audiência da publicidade contratada; disponibilizem uma ferramenta de consulta que permita buscas de anúncios a partir de palavras-chave, termos de interesse e nomes de anunciantes; e forneça acesso a informações sobre os valores investidos, o período do impulsionamento, a quantidade de pessoas atingidas e os critérios de segmentação definidos pelo anunciante.

Na quarta-feira (23), o Google anunciou que não permitirá a veiculação de anúncios políticos via Google Ads e no Youtube, “tendo em vista a entrada em vigor das resoluções eleitorais para 2024”. A empresa foi a segunda que mais lucrou no país com a eleição de 2022: foram exatos R$ 126.185.559,69 obtidos com o impulsionamento de propagadas políticas, segundo dados do TSE. O Facebook ficou em primeiro lugar: recebeu um total R$ 128.938.887,93 dos candidatos.

Para Emma Roberta Palú Bueno, mestre em Direito e especialista em Direito Eleitoral, a regulamentação é necessária, mas não impedirá que candidatos busquem uma grande exposição, mesmo correndo o risco de serem multados. “Não acho que seja muito difícil se adequar. O que pode ser grave é o Google ter optado por não se ajustar para que a Justiça Eleitoral não possa fiscalizar”, disse. “Nada impede que o candidato impulsione o próprio conteúdo. Ele pode ser multado, mas pode ser que valha a pena pagar o preço. Ele deixa o conteúdo impulsionado um ou dois dias, depois recebe uma multa de R$ 5 mil ou R$ 10 mil, mas o alcance que ele teve valeu esse preço.”

A advogada diz que o Google poderá manter seus ganhos caso os candidatos optem por correr o risco. “Entramos em um campo perigoso. Pode ser até que o Google ganhe mais dinheiro dessa forma. Empresas que não podem participar do jogo eleitoral podem acabar impulsionando conteúdos que não são necessariamente de um candidato, mas que são da pauta de um de candidato.”

O risco estaria mais na decisão do Google, avalia Emma Roberta Palú Bueno, do que na resolução em si. “Por mais desafiador que seja cumprir os requisitos, a gente não está falando de uma gráfica de uma cidade pequena, mas da segunda empresa que mais recebeu dinheiro envolvendo as eleições em 2022”, afirma. “Temos um cenário em que gastamos muito tempo nas redes sociais e muitas das nossas escolhas são tomadas nas redes sociais. Precisamos assegurar que o conteúdo seja o mais transparente e o mais verdadeiro possível.” Segundo ela, as normas da União Europeia são mais rígidas e detalhadas que as regras estabelecidas pelo TSE.

CAMPANHAS DE RUA

Especialista em marketing digital e negócios na internet, Fernanda Musardo tem uma opinião diferente. Para ela, o prazo para as plataformas se adequarem foi muito exíguo – a Resolução é do dia dia 27 de fevereiro e as empresas têm até o dia 5 de maio para se adequar ou proibirem as propagandas políticas. “Fica inviável para as plataformas se adequarem tecnicamente a essas exigências”, diz. “As regras foram ampliadas, solicitando questões técnicas que a curto prazo são impossíveis de serem efetivadas. As plataformas acabam correndo o risco de não conseguirem seguir 100% o que o TSE obriga, fazendo com que elas possam ser responsabilizadas ou multadas.”

Para ela, a decisão vai beneficiar os candidatos com mais recursos, já que haverá um aporte maior nas formas tradicionais de campanha, como panfletagens. “Os candidatos com menos recursos financeiros conseguiam ampliar a divulgação de sua ideias. Agora, os candidatos com verba maior terão mais poder, porque têm mais poder de rua, de panfletagem, os recursos possibilitam outras frentes de campanha. No digital, os menores têm mais possibilidades de fazer uma distribuição diferente. Na minha opinião, prejudica mais do que auxilia na questão de ampliar a discussão sobre os candidatos.”

Musardo avalia que a Meta (dona do Facebook e do Instagram) poderá tomar uma decisão semelhante à do Google. “Se a Meta seguir a linha do Google, teremos um esforço maior nos conteúdos orgânicos, mas também há uma obrigação de as plataformas sinalizarem que são conteúdos políticos. Isso poderá levar a uma diminuição na entrega. Vamos ter que produzir mais e as plataformas vão moderar, possivelmente restringido a distribuição. No lugar de dois ou três conteúdos, vamos ter seis ou oito para serem distribuídos, o que não vai acontecer, porque as plataformas vão seguir a regra padrão de distribuição. Muito conteúdo será perdido”, diz a especialista em marketing digital.